A ideia de preservação ainda esta atrelada ao papel exclusivo de restauradores, arqueólogos e museólogos – os especialistas do passado. Preservar, restaurar e difundir os bens históricos e as tradições são tarefas da sociedade moderna, que se interessa cada vez mais pela noção de patrimônio cultural e pela própria busca por uma identidade. Buscam-se assim, alternativas para que o passado glorioso de outrora sobreviva às mudanças contemporâneas.
A noção de patrimônio é uma criação de ideologia oligárquica, de um tradicionalismo substancialista. Entender a própria noção de patrimônio requer que compreendamos as relações da sociedade com o passado; requer que examinamos as operações de ritualização cultural. Comunidades, monumentos e museus avivam uma teatralização que se esforça para simular a existência de uma origem, de uma substância fundadora em relação a qual deveríamos atuar hoje.
O tradicionalismo aparece como resistência e para suportar as contradições contemporâneas. À medida que duvidamos da modernidade, vamos recorrendo à busca de algum passado, uma zona de conforto, que consideramos mais tolerável. Dessa forma, comemorar um passado “legítimo” de “essência nacional”, à moral, à religião e á família, passa a ser a atividade cultural preponderante. Nesse contexto surge o museu, como um palco para apresentar essa teatralização hierarquizada das noções de cultura, sociedade e patrimônio.
O museu é a sede cerimonial do patrimônio, o lugar em que é guardado e celebrado, onde se reproduz o regime semiótico com que os grupos hegemônicos o organizam. O patrimônio é um repertório fixo de tradições, condensadas em objetos dispostos como num palco. Entrar no museu não é adentrar um edifício e olhar obras, mas também penetrar em um sistema ritualizado de ação social.
Atualmente as mudanças de concepção museal – a nova era dos museus – faz com que tenhamos novas interpretações acerca deles. Como meio de comunicação de massa, os museus podem desempenhar um papel significativo na democratização da cultura e na mudança do conceito de cultura.
Em busca da Identidade, os objetos expostos nos museus ganham uma aura onde são admiradas como obras. Estabelecem uma relação de admiração – estão ali para serem olhados, ganham valores estéticos. Mais que expô-los, os objetos são teatralizados e remontam às cenas que eles nos remetem fazendo assim uma ritualização histórica e antropológica.
A legitimação de uma Identidade – de um patrimônio nacional – leva-nos às investigações sociológicas e antropológicas pelas quais se transmitem os saberes de cada sociedade através das escolas e museus: diversos grupos se apropriam de formas diferentes e desiguais da herança cultural. Há, de certa maneira, uma hierarquia dos capitais culturais, onde arte vale mais que artesanato; medicina científica vale mais que a popular; cultura escrita vale mais que a oralidade, etc. A noção de patrimônio tem o papel de unificar a nação, amenizar as desigualdades da sua formação e compreender a apropriação de certas tradições, numa eterna luta material e simbólica entre as classes, as etnias e os grupos aceitando a heterogeneidade de experiências que elas contém.
O patrimônio cultural funciona como recurso para reproduzir as diferenças entre os grupos sociais e a hegemonia dos que conseguem um acesso preferencial à produção e à distribuição dos bens, dando continuidade entre tradição e modernidade.
Tem-se a problematização, em uma noção de patrimônio, naquilo que se expõe: o que é original, legítimo? Dessa forma, cabe aos museus re-apresentarem os fatos, como num teatro, um simulacro – transportando o espectador a uma verdade inventada. Os objetos, embora originais, pendem a relação com a origem porque estão descontextualizados.
Talvez essa seja a grande solução aos museus contemporâneos, que querem impor as noções de patrimônio nacional – identidade: atrair o visitante para o conhecimento, compartilhar as dificuldades de legitimar o original e autentico e propor soluções para a reconstrução de uma verossimilhança histórica.
Repensar o passado para entender o moderno é uma alternativa, uma vez que não há memória sem passado, e não há passado sem um presente. A harmonia temporal entre passado e presente deve ser entendida como parte essencial à implantação de uma identidade nacional, constituindo assim a noção de patrimônio.
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*CANCLINI, Nestor Garcia. O Porvir do Passado. In: Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Nueva Edición: Paidós. 2005. P. 157-194