DIÁRIOS E MEMÓRIAS DE EMMA HATZKY VIRAM OBRA LITERÁRIA NA PRIMOROSA TRADUÇÃO DE SUA FILHA, FELÍCIA
Em suas memórias, Emma Hatzky, nos transporta por um mundo visto por outros olhos. Pelos olhos de uma visão feminina, porém sem perder a criticidade e a fé. Nas condições mais adversas, onde as necessidades mais básicas faltam ao homem, ela se fortalece. Quando os outros se abatem, ela tem a esperança.
Emma sabe tocar o coração da gente com sua redação simples, mas com vocabulário rico, às vezes poético. A sua sensibilidade permeia os seis manuscritos de duzentas páginas cada, e que deram origem ao livro Uma mulher do século passado, traduzido do alemão por sua filha Felícia Emma Hatzy Schütz. Ambas, mãe e filha foram mulheres atemporais e importantes na construção da Identidade do povo daqui.
Nas muitas narrativas, chama a nossa atenção, relatos da construção de uma cidade – Taquaras – que em um dos textos intitulado O homem e o seu mundo, mostra-nos a persistência e a garra que Teófilo Schütz teve ao idealizar e concretizar seus planos.
“Jacó era o filho mais velho entre dez irmãos. Pai e mãe tinham as mãos calejadas pelo serviço, muita coragem e fé em Deus, como é de costume na colônia, no Brasil… casou-se com uma moça alemã, que se formara nas escolas estaduais de Florianópolis e junto com ela assumiu o comércio do pai, que estava doente e cansado. Os dois irmãos, entraram de sócios.
O movimento, as vendas aumentaram; modernizou também a sua casa e construiu casas para os empregados – a par da sua construiu vinte e uma casas de família, com água corrente que trouxe dos morros, luz elétrica com motores a diesel; os lotes foram aterrados, cercados com estaquetas, cada um com um quintal e pátio, com um rancho também. Quando tudo estava em construção, um viajante passou e perguntou: – Por acaso vocês estão construindo Brasília? (Era na mesma época). Então o povo batizou o lugar de Brasília Amarela, pois as casas foram pintadas dessa cor.
No pé do morro, atrás da Brasília foi feito o grupo escolar, cujo chão foi doado por Jacó e o governo fez a obra e a ponte, pois a estrada atravessa o rio.
A comunidade resolveu fazer uma igreja nova e Jacó ajudou com o caminhão e ferramentas. Dona Felícia se encarregou das contas, dos protocolos da obra. Ela também dirigia o coral da comunidade e tocava órgão. Quando não havia pastor, ela fazia as orações nos sepultamentos e cultos de leitura. Também foi escolhida a secretária da comunidade evangélica.
Depois de mais alguns anos resolveram fazer uma escada na frente da igreja. Dona Felícia fez a planta – são quarenta e nove degraus de concreto que rodeiam um canteiro de grama em forma de coração. Não faltou quem criticasse a obra, mas Jacó colocou-se ao lado da esposa: – Não desacorçoa, termina o teu plano.
A escada está pronta e é o orgulho da comunidade e, com a igreja, dá uma bonita fotografia para o turista levar.
Nesses últimos anos, uma crise no comércio de gado atrapalhou a vida de Jacó. Mas ele não desanimou. O seu mato ia dar madeira para saldar as dívidas. Comprou uma serraria e fez a estrada, a mão, quatorze quilômetros, até o pinhal. A subida levou meio ano, e pelo campo até o fundo do terreno, quase um ano. Há catorze dias os caminhões puxam toras e a serraria está trabalhando.
Assim concluiu mais uma obra na sua vida, que lhe traz satisfação e alegria. Isto só notam os que estão ao seu lado e o amam. –Tem uma coisa dentro de mim que me impulsiona ou me freia, não consigo dominar. Deus deve saber por que me criou assim e não de outra maneira. Palavras do próprio Jacó.¹
Resgatar a memória e torná-la a identidade do seu povo é um legado que Emma conseguiu nos deixar e que sua filha Felícia soube dar continuidade, ao traduzir em 1997 as anotações que sua mãe ricamente escreveu ao longo dos tempos.
A obra dessas duas mulheres está intrínseca ao desenvolvimento de uma nova comunidade; de uma nova geração; de uma nova cultura. Emma e Felícia perpetuaram a História da nossa cidade, nessa que é sem dúvida alguma, uma grande obra romântica e epopeica.
¹ In: HATZKY, Emma. Uma mulher do século passado/Emma Hatzky: tradutora Felícia Schütz. Ed da UFSC, Florianópolis: 2000.