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O Mundo das Conservas que eu Herdei de Mamãe

O Mundo das Conservas que eu Herdei de Mamãe

Sabe aquelas prateleiras cheias de conservas que fazem você se lembrar da casa da tua avó? Conservas têm sabor de nostalgia. Trata-se de uma comida afetiva que nos reporta a um tempo que, embora pareça perdido, está ali, adormecido esperando você despertá-lo. Esse é o maravilhoso mundo das conservas!

Sobre Conservas e Afeto: Um Mundo Mágico!

A cozinha sempre foi o coração de um lar e na minha família isso não foi diferente! Uma das cenas que mais me faz recordar da minha infância é justamente a cozinha da minha mãe, Cida Eger. Uma cozinha simples como qualquer outra cozinha de uma mãe alemã. Armários com portas de vidros onde louças de porcelana eram organizadas nas prateleiras adornadas de um lindo barrado de crochê; fogão à lenha e uma bateria de panelas sempre tão limpas que pareciam espelhos; filtro de porcelana para a água fresquinha. A cozinha de minha mãe sempre me pareceu um mostruário de loja, onde ela expunha todas as suas habilidades artísticas em pintura, crochê, bordados.

Na cozinha de minha mãe o que mais me encantava eram as prateleiras no alto, tal como um rodateto, cheias de vidros enfileirados. O maravilhoso mundo das conservas! Minha mãe sempre foi mestra nesse quesito. Em épocas em que o alimento não se conseguia tão fácil, as conservas nos garantiam frutas e legumes sempre fresquinhos.

Tradição herdada de seus avós, um hábito afetivo que a aproximava dos seus antepassados. Sempre soube por ela que as conservas eram necessárias na Europa, pois precisavam armazenar os alimentos para os meses de escassez e frio. Além disso, lembro que minha mãe tinha um livro antigo sobre “A arte de conservar alimentos”. Eu também adorava folhear (e mais tarde ler) sobre o assunto. Lembro-me, também, de épocas em que as conservas foram um complemento a renda familiar. Muitos adoravam os pêssegos, as pêras, as ameixas, os figos e quaisquer frutas que minha mãe transformasse em conserva.

O cotidiano agitado em que vivemos faz com que, às vezes, abandonemos certos hábitos. Com o tempo, fica mais fácil comprarmos o pêssego enlatado, o picles e a beterraba em conserva do mercado. Só que nada disso substitui a memória. A comida afetiva!

A comida afetiva pode ser considerada como uma lembrança da nossa infância, como também aponta o sociólogo Pierre Bordieu, que considera nossas preferências alimentares a marca mais forte do aprendizado infantil. Nesse sentido, a comida afetiva traz à memória aquela sensação nostálgica de saborear uma comida da época em que éramos crianças.

E nessa senda da afetividade alimentar foi que me descobri um fazedor de conservas, como a minha mãe. Sem perceber, eu já estava seduzido por este universo, ao herdar muitos vidros do meu falecido pai, que também sempre fazia muitas delas. De repente, sem saber o que fazer com todos esses vidros, um pessegueiro do jardim me deu tantos pêssegos que a única solução foi investir nas conservas. E lá estava eu: limpando e esterilizando vidros, separando tampas e insumos para as conservas.

Mesmo eu tendo a noção de como prepará-las (e podendo recorrer à Internet) não ousei começar as minhas conservas sem a consultoria da minha mãe. Mais para confirmar o que eu imaginava e aprendera ao longo de tantos anos observando-a preparar as suas. E o gatilho da minha memória estava disparado: no primeiro dia, dez vidros; no segundo, mais cinco. O pessegueiro me rendeu quinze conservas que agora enfeitam a minha cozinha, à espera da oportunidade para serem saboreadas. Umas ganharão o destino de amigos (desde que o vidro me retorne!)

O mundo das conservas é um mundo sem volta! Digo isso porque dias depois eu já estava colhendo vagens na horta da minha mãe e fazendo conservas delas… E assim, a tradição é passada adiante como o elo que nos afirma sujeitos de um determinado grupo.

Os produtos alimentares, bem como os objetos e conhecimentos usados na produção, transformação e consumo de alimentos, têm sido identificados como objetos culturais portadores da história e da identidade de um grupo social.

Antes que se deem por totalmente perdidas as receitas tradicionais, precisamos entender que a alimentação humana é muito mais do que um fato biológico, mas um ato social e cultural. O ato de comer implica representações simbólicas decorrentes da rede de relações sociais que identificam o alimento a uma determinada sociedade ou a algum segmento dela. O alimento se constitui em um produto cultural, pois é por meio do alimento e da alimentação que o homem se revela e revela seu grupo social.

Jonei Bauer:

O texto acima é de inteira responsabilidade de Jonei Bauer, não expressando necessariamente a opinião do Portal do Rancho.

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