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Martinho Bugreiro: “eu não matei 100, matei 1.000”

Martinho Bugreiro: “eu não matei 100, matei 1.000”
"- Esse homem, ninguém nunca viu dar uma risada sequer."
Alcindo, neto de Martinho Bugreiro, narrando as histórias do avô.

Muitas histórias são narradas e recontadas pelo povo de Taquaras. Famosa entre elas é a de Sophia, a menina bugre sobrevivente de uma chacina. A índia, que foi adotada por uma família de imigrantes, viveu entre os brancos, foi “domesticada” e está sepultada no cemitério luterano da cidade.

Quantas batalhas e histórias sangrantes viram aqueles olhos de outrora? O que há de se desmistificar e de se revelar? Que mistérios e traumas essas chacinas têm? Sempre houve resistência e silêncio ao se falar dessa parte obscura da nossa História.

O personagem mais cruel, herói dalguns e anti-herói de outros, foi Martinho Marcelino de Jesus – o MARTINHO BUGREIRO – que aos 18 anos começou a matar índio. Os motivos que o levaram à prática são caminhos que se bifurcam. Pode ser pelo dever de ofício, já que era inspetor de quarteirão (vigia de ataques indígenas) e os índios eram considerados foras-da-lei. Mas há histórias lendárias em que tudo teria começado por vingança: quando criança, o menino Martinho teria sido raptado pelos bugres e vivido entre eles por alguns anos. Daí nasceu sua sanha e os conhecimentos que lhe seriam tão úteis no seu futuro ofício. Ironicamente o que há de certo que sua mãe teria sido índia.

Grupo de bugreiros exibindo suas armas

Batalhas e cenas tristes – as artimanhas dos massacres

O ataque aos índios pelo bando de Martinho seguia sempre um mesmo ritual. Perseguia-se o grupo a que se desejava exterminar, depois de encontrá-lo, os bugreiros ficavam acantonados durante horas, sem conversar ou fumar, esperando o momento exato para surpreender os índios em um ataque fulminante. Geralmente atacavam quando o dia estava para nascer, enquanto os indígenas ainda se encontravam entregues ao seu sono mais pesado. Primeiro cortavam as cordas dos arcos, depois iniciavam a matança. Acordados a tiros e golpe de facão, os índios não tinham qualquer chance de defesa: degola, evisceramento, cortes transversais no peito, pontaços no coração, pois a carne é macia e a lâmina cega. Cortavam as orelhas dos mortos – pois a recompensa era paga por cada par delas.

O trabalho só terminava depois que derrubassem os ranchos, amontoavam e ateavam fogo em tudo (esta parte das histórias traz à tona a verdadeira origem do nome de Rancho Queimado). Para que queimassem melhor, a sola grossa dos pés dos índios era aberta a facão. Os despojos – arcos, flechas, artesanatos – eram divididos entre os homens, que depois vendiam. Muitos desses artefatos, por muito tempo foram venerados como troféus – verdadeiros monumentos de barbáries.

Os ataques aos ranchos dos índios podem levantar suspeitas quanto à origem glorificada do nome de Rancho Queimado

A índia que sobreviveu ao maior massacre

Numa das maiores batalhas, morreram mais de duzentos índios e segundo historiadores se passou pela região de Rancho Queimado. Foram poupadas apenas duas crianças, uma menina e o seu irmão. Martinho Bugreiro os trouxe à cidade e uma família de Taquaras adotou os bugrezinhos. Do menino, sabe-se que conseguiu fugir e embrenhou-se na mata de novo. A menina recebeu o nome de Sophia, cresceu na sua nova família, foi batizada e está enterrada no cemitério luterano da cidade.

Infelizmente pouco da verdade se sabe, o lado poético e romantizado – do imigrante heroico, piedoso é a que prevalece.  A verdade sempre foi negada ou omitida, talvez por medo, ou trauma; talvez por vergonha. Sabemos apenas que Sophia cresceu tímida, introspectiva e pouco falou durante toda a sua existência. Quisera eu poder ter olhado em seus olhos e conseguir enxergar, sentir, o sangue que eles quando pequenos presenciaram naqueles massacres inglórios de outrora. Martinho, sumiu. Ou assim quisera que fizessem. Casou e viveu seus últimos anos no município de Vidal Ramos (SC). É isso!

Quanto sangue, cabeças decapitadas e pares de orelhas os olhos da menina Sophia viram?

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Referência bibliográfica:

SANTOS, Silvio Coelho dos. O homem índio sobrevivente do Sul: antropologia visual. Gatarujá. 1978.

Jonei Bauer:

O texto acima é de inteira responsabilidade de Jonei Bauer, não expressando necessariamente a opinião do Portal do Rancho.

Comentário:
  • Mauro Demarchi
    Responder

    Amigo, é preciso considerar um aspecto nesta questão. A luta entre índios e brancos nem sempre os primeiros eram anjinhos e os outros bandidos. Xoklengs e Kaigangs (tribos que eram primos) viviam em guerra e os próprios xoklengs durante muntos séculos expulsou destas terras outras tribos. Eles viviam no local até esgotar toda fonte de alimento, depois passavam para outra sempre seguindo animais que fugiam de seus ataques.
    RECENTES DESCOBERTAS ARQUEOLÓGICAS NO PLANALTO SERRANO CATARINENSE REVELARAM QUE OS XOKLENGS SÃO UMA DAS ÚLTIMAS GRANDES NAÇÕES DA ANTIGUIDADE DAS AMÉRICAS. ACOSTUMADOS A VENCER E EXPULSAR SEUS INIMIGOS NÃO CONTAVAM COM A PERSISTÊNCIA E AS ARMAS DOS BRANCOS.
    OS ÍNDIOS XOKLENGS VIVIAM EM PEQUENOS GRUPOS AO LONGO DOS CAMPOS DA SERRA, VALES LITORÂNEOS E BORDAS DO PLANALTO SUL DO BRASIL. ESTES GRUPOS TINHAM GRANDE MOBILIDADE, INDO E VINDO PELAS MATAS E PERAIS. REUNIAM-SE APENAS UMA VEZ POR ANO ONDE TODA A TRIBO ORGANIZAVA UMA GRANDE CERIMÔNIA.

    OS XOKLENGS NÃO CULTIVAVAM A TERRA, VIVIAM DA CAÇA E DA EXPLORAÇÃO DE FRUTOS DOS LUGARES POR ONDE PASSAVAM, NÃO POSSUIAM SITEMA DE ESCRITA E COMO OUTROS ÍNDIOS SUAS TRADIÇÕES ERAM TRANSMITIDAS ORALMENTE. SUA ARTE SE RESUMIA A POUCOS SINAIS E TRANÇADOS EM ESTEIRAS E POUCOS ADEREÇOS.

    SEGUNDO PESQUISAS OS ÍNDIOS XOKLENGS DOMINARAM ESTA REGIÃO POR MAIS DE 3MIL ANOS, UTILIZANDO TÉCNICAS DE COMBATE ESPECÍFICAS PARA ATERRORIZAR E ESPANTAR OUTRAS TRIBOS INVASORAS. ESTAS MESMAS TÉCNICAS DE COMBATE QUE SERVIRAM PARA TORNAR OS XOKENGS SENHORES ABSOLUTOS DESTA REGIÃO CONSEGUIRAM MANTAR OS COLONIZADORES A DISTÂNCIA APENAS POR ALGUM TEMPO.

    ERA A MULHER, ENTRE OS XOKLENGS, QUEM DECIDIA ONDE PARAR E QUANTO TEMPO FICAR NUMA CERTA REGIÃO, POR ISSO OS ÍNDIOS PROCURAVAM ATERRORIZAR PRINCIPALMENTE AS MULHERES DE OUTRAS TRIBOS, EVITANDO O COMBATE FRENTE A FRENTE COM OS HOMENS.
    ESTA TÉCNICA SURTIU EFEITO COM OUTRAS TRIBOS INDÍGENAS, ONDE A MULHER DECIDIA, MAS NÃO COM O HOMEM BRANCO.

    Quando os índios xoklengs perceberam que a técnica utilizada para espantar as mulheres não surtiu efeito e a reação começou a ser de perseguição e guerra, procuraram fazer as pases com os homens brancos e a partir de 1910 as relações começaram a melhorar entre índios e brancos.

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